segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O Apostolo com Vocação teatral que anda de Porche

O apóstolo Agenor Duque, líder da Igreja Plenitude do Trono de Deus, foi tema de uma extensa reportagem da revista Época, que o apresentou ao público leitor como alguém disposto a tudo para levar adiante suas ambições.



Descrito na matéria como alguém com “forte vocação teatral” e garantidor do “impossível”, o “autointitulado apóstolo” teve apenas parte de seus arroubos apresentados pela revista. “Duque abocanha cada vez mais fiéis e começa a incomodar as igrejas concorrentes. Além das usuais curas de doenças e vícios, Duque promete apagar o passado da mente dos fiéis”, diz o texto, assinado pelos jornalistas Aline Ribeiro e Harumi Visconti.

No dia em que visitou um dos templos da Plenitude, a dupla presenciou Duque garantindo que havia apagado a memória de um frequentador, homossexual, e esse episódio permeou toda a reportagem.

Do alto do púlpito, diante de cerca de 7 mil fiéis com as cabeças cobertas por um pequeno pano avermelhado, um homem vestindo uma roupa que imita estopa aponta o dedo para um rapaz da plateia: “Você é homossexual?”, diz ao microfone. Ao ouvir uma resposta afirmativa, continua: “E você quer sair do homossexualismo?”. O interlocutor diz que sim, e é convidado a subir no altar. Enquanto uma canção entorpecente embala a cena, o líder espiritual cerra os dois punhos, ergue os braços e grita: “No milaaaagre de Manassés, Deus apaga da memória agora todo o passado de sofrimento. No milaaaagre de Manassés, Deus faz a pessoa esquecer que um dia foi homossexual”. Volta a se dirigir ao rapaz.

– Seu nome?
– Junior.
– Você tinha alguma vida errada no passado?
– Não.
– Pensei que você era gay… Pensei que você morava com um homem…
– Não, Deus me livre.

Como que num passe de mágica, Junior diz que nunca gostou de homens. Na semana seguinte, volta ao mesmo altar para contar o desfecho de sua história. Diz que seu namorado, ao saber da conversão, caiu no choro. A mãe, surpresa com o esquecimento súbito, cogitou levar o filho a um hospital. Entre gritos entusiasmados de “aleluia” e “eu creio”, o público se levanta e aplaude a transformação.

A revista se refere a Duque, paulistano, 37 anos, origem humilde e ex-dependente químico, como o “pastor emergente do momento”, que seduz políticos a visitarem seus templos, como nos casos do pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) e do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que foi ao culto receber orações.

“Num roteiro já conhecido entre os pastores das neopentecostais, Duque começou na Igreja Universal do Reino de Deus e migrou para a Mundial – até que teve uma ‘visão espiritual’ e decidiu criar seu próprio templo. Em setembro de 2006, abria a porta da Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus. Com R$ 25 mil da venda de um Astra, Duque comprou algumas poucas horas nas madrugadas de rádios e alugou um galpão […] Há dois anos, Duque tinha cinco modestas igrejas em São Paulo. Hoje, são pelo menos 20, espalhadas por São Paulo, Amazonas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e Distrito Federal – sem contar as dezenas de núcleos, galpões abertos pelo interior que, ainda sem documentação, não são considerados templos”, enumera a reportagem, narrando a ascensão da denominação do apóstolo.

Para contrapor o figurino de Duque – que de tempos para cá passou a se vestir de “saco” como símbolo de humildade, a Época revela que o apóstolo usa esse uniforme como “uma espécie de abadá para uma encenação de pobreza”.

Há tempos Duque deixou a dureza para trás. Como os adeptos do funk ostentação, fora do palco ele se enfeita com cordões, anéis e relógios dourados, bonés e tênis de marcas como Nike e Hugo Boss e adora exibir-se no Instagram. Dirige um Porsche e um BMW. Já se exibiu em um vídeo com uma Ferrari – após críticas de internautas, recuou e disse que o carro era de um ‘amigo’, o pastor Arthur Willian Van Helfteren, da Igreja Universal do Reino de Deus. Sempre que viaja, Duque evita apertar o corpanzil nas poltronas da aviação comercial; prefere o conforto de um bimotor Cessna Citation. De acordo com os registros da Agência Nacional de Aviação Civil, a aeronave pertence à Cimeeli Comércio e Indústria, uma empresa sem rastro. O telefone atribuído à Cimeeli é residencial e seus sócios não foram localizados.

Os jornalistas da revista constataram, indo aos cultos dirigidos por Agenor Duque, que “não faltam exageros” nos “espetáculos histriônicos” do líder da Plenitude: “Ele atua em parceria com a mulher, a autointitulada bispa Ingrid Duque, e mais recentemente com o filho adotivo, o pastor Allan. Em suas performances, intercala suas falas com expressões incompreensíveis que diz virem da língua do Espírito Santo – ‘Traz o óleo, quibalamacia balabaliã’, diz, em meio ao culto, enquanto checa mensagens no telefone. Suas orações quase sempre terminam com um ‘hallelujah’, num esforçado sotaque americano”, observam os autores da matéria.

Para comentar as singularidades de Duque, o professor Rodrigo Franklin de Souza, docente de pós-graduação em Ciências da Religião na Universidade Presbiteriana Mackenzie, fez alusão a um item muito presente nas diversas religiões brasileiras: o sincretismo.

“A religiosidade brasileira sempre foi muito sincrética. O brasileiro valoriza tudo o que o ajuda a se relacionar diretamente com o sagrado […] O teatro cai como uma luva”, pontuou Souza, numa tentativa de explicar o motivo de tantas alegorias na denominação de Duque, que já caminhou sobre dezenas de quilos de sal e amaldiçoou seus críticos.

“A igreja neopentecostal brasileira é cega, infantilizada, cheia de picaretas e cambalacheiros”, opinou Paulo Romeiro, doutor em ciências da religião.

De acordo com um ex-obreiro da Plenitude, as adivinhações protagonizadas por Duque e sua esposa, Ingrid, não passam de trapaça, pois ao chegarem ao templo, os fiéis preenchem uma ficha com suas histórias de vida e pedidos de oração. Essas fichas são repassadas ao pastor, que repete o que lê como se estivesse tendo uma revelação.

O ex-obreiro revelou que os pastores que arrecadam mais são recompensados e crescem na hierarquia da Plenitude: “Eles recebem até bônus. Eles dizem que você tem de entrar na mente da pessoa, convencê-la a aceitar o que você diz”, contou o dissidente à Época.

“São verdadeiras empresas da fé”, afirma o teólogo João Flávio Martinez, presidente do Centro Apologético Cristão de Pesquisas, referindo-se às igrejas neopentecostais, grupo no qual a Plenitude se encaixa.

“Os pastores dessas igrejas são bem preparados, fazem cursos de marketing, de gestão, de oratória. A lógica é unicamente de mercado. Não existe uma base de doutrina”, resumiu Sousa, ao comentar os produtos “exclusivos” oferecidos por Duque e sua trupe aos fiéis.

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